Crônica de uma viagem



CRÔNICA DE UMA VIAGEM

Um dia antes da viagem fico numa ansiedade perturbadora, quero dormir cedo para que as horas passem rapidamente e logo raia o dia. Acordo por volta das cinco da matina, tomo banho, não tenho apetite para o desjejum, verifico se está tudo em ordem na pequena mochila. A viagem é de apenas um final de semana, não precisa levar muita coisa, mas sempre peco pelo excesso. Primeiro ônibus, Linha do Tiro, desço no Parque Treze de Maio e lá pego o Recife/Goiana, é a parte mais longa da viagem, mas também a mais prazerosa. A paisagem com imensas áreas de cana vai se intensificando na medida em que saímos da Região Metropolitana e adentramos na Zona da Mata pernambucana. Chegando em Goiana tenho que esperar minutos, talvez horas pelo Goiana/Timbuaúba – via Upatininga. Já no ônibus o caminho é mais curto mas a paisagem repetida como se fosse cópias: um imenso canavial com pequenos fragmentos do que outrora se chamava de Mata Atlântica. Chego finalmente na área distrital de Aliança, velhas lembranças me trazem melancolia, uma tristeza por algo que não mais me pertence, não, na verdade nunca me pertenceu! Mas se a chegada é triste pior ainda é a partida. Chego em meu destino, UPatininga, um pequeno distrito de Aliança, mas o maior dos quatro que pertencem a cidade. Lugar de homens e mulheres ásperos, pessoas frias pela dureza da cana e ao mesmo tempo acolhedores. Para alimentar sua família durante doze meses os homens que trabalham no corte de cana no período da safra, que dura seis meses, guardam metade do que ganham para poderem comer nos outros seis meses.  O alcoolismo é uma constante, a loucura também. “Cortar cana não é para qualquer um”, as palavras de minha mãe ressoam em minha memória quando penso no poder amargo do açúcar. Upatininga é um lugar que tem lá o seu charme, as ruas são pequenas, anda-se em todo o distrito em menos de vinte minutos. Ainda tem o Corete, o Cruzeiro próximo a entrada do minúsculo cemitério e ao lado do único campo de futebol, uma escola, uma Sede onde a banda marcial da escola faz seus ensaios e finalmente uma porção de bares e cabarés. O que me admira é a cordialidade dos moradores, eles nunca perdem a oportunidade de cumprimentar, seja seu vizinho, seja um estranho, você se sente acolhido. E esse acolhimento se personifica na figura de minha avó materna, qualquer pessoa que chega em sua casa é sempre bem recebida e um prato de comida nunca lhe falta. Talvez o motivo de eu ficar extremamente triste na hora de pegar o caminho de volta é por estar saindo de um lugar que, apesar de a vida ser tão dura e o amor se apresentar de outras formas, em qualquer casa que entrar me sentirei como se estivesse em minha própria casa. Mas na verdade não é minha casa, porque onde moro é uma cidade de pedra com pessoas de pedra.

Adriano Martins
Recife, 25 de março de 2017

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