HISTÓRIA DE UMA HEROINA

  Falar de heróis reais, aqueles que batalham cada dia para sua subsistência e de sua prole, é algo extraordinário e ao mesmo tempo complexo, tendo em vista que sabemos ser muitos os brasileiros e brasileiras que todos os dias enfrentam as adversidades que as circunstâncias lhes trás. Por isso, tratar de um personagem específico parte de uma visão e posicionamento exclusivamente desse que vos escreve.
  Acredito que a arte tem sempre um pouco, ou muito, do real. Viver já é em si uma grande arte. E esse texto é dedicado aqueles que conseguem fazer arte, para não dizer milagre, com um salário mínimo mensal e, em alguns casos, menos que isso. Esses sim os verdadeiros heróis brasileiros.
  Após a história de Seu Lino, e o leitor mais familiarizado há de lembrar das narrativas a respeito desse guerreiro, é chegada a hora de contar uma história resumida de sua esposa. Seu nome completo é Alaíde Borba da Silva, mas é conhecida por todos como Dona Laíde. Nasceu em meados da década de 1940 em Upatininga, distrito de Aliança, cidade da Zona da Mata Norte do Estado de Pernambuco. Seus avós paternos eram descentes de índios, e os maternos de negros escravos nos engenhos de açúcar. 
  Dona Laíde viveu grande parte de sua vida como moradora de engenho, em princípio com seus pais e posteriormente com seu esposo e os oito filhos advindos dos anos de casamento, sendo dois agregados. Digo agregados porque não eram adotados na forma da lei, mas nem por isso eram menos amados que os outros seis.
  Como toda pessoa nascida na década de quarenta no meio rural, Dona Laíde teve, logo que completou uma idade suficiente para manejar a foice e a enxada, de ajudar o pai no corte e plantio de cana para aumentar a renda da família. Ela não recebia uma quantia pelo que havia cortado, na verdade o que ocorria é que ajudando o pai no corte, a quantidade de "quadra" cortada, aumentava o percentual de ganho do pai. O trabalho de crianças e mulheres não era oficializado no campo, sendo aquela a única forma de contribuir no aumento da renda familiar.
  Quando não estava com o pai no "corte de cana" no período da safra, Dona Laíde cuidava do roçado com seus irmãos. Isso iria se repetir após o casamento com Seu Lino, eles também tinham um roçado onde plantavam mandioca, milho e fava para reforçar na alimentação de seus filhos. A água para beber era adquirida nas cacimbas próximas ao sítio, assim como as roupas eram lavadas nos riachos cercados por cana. O peixe era pescado nos açudes que o próprio engenho utilizava, e utiliza até hoje, para regar as plantações de cana. 
  Os filhos logo tiveram que ajudar o pai no corte de cana, começaram a trabalhar por volta dos doze e treze anos. Enquanto isso Dona Laíde trabalhava o roçado com as filhas. Eram três mulheres e cinco homens. Algumas vezes o serviço feminino também era requisitado na limpa e no corte da cana, e Dona Laíde e suas filhas tinham que ajudar Seu Lino e os filhos homens no árduo serviço dos canaviais.
  Em certos momentos, quando a cidade de Aliança ainda não comportava o comércio próspero de hoje, Dona Laíde e o seu filho mais velho, Zezin, tinham que se deslocar do Engenho Lagoa Seca, onde moravam, para a cidade de Nazaré da Mata, um percurso de aproximadamente quatorze quilômetros, para comprar o básico necessário para o mês. Esse percurso era feito andando, tanto na ida quanto na volta. Mas ela não se recorda desse fato por causa da distância, mas sim porque, segundo a mesma, não existia a violência que se vê hoje. Ela e Zezin voltavam já de "noitinha" iluminados apenas pela lua e pelas estrelas do céu, sem o medo de que alguém pudesse os fazer algum mal.
  Os filhos foram casando, com exceção de três. Em 1994 Dona Laíde e Seu Lino, juntamente com os três filhos e cinco netos, após um acordo com o Senhor de Engenho, se desfizeram do sítio e foram morar na "Rua". Para Dona Laíde as coisas melhoraram muito a partir desse momento, e continuaram melhorando no decorrer do tempo.
  Não poderia deixar de mencionar o fato de que já há alguns anos Dona Laíde sofria de catarata e depois de muita insistência de uma de suas filhas, Loura, resolveu ir ao médico na tentativa de fazer a cirurgia. Infelizmente o fato de sua pressão estar alta lhe impediu de passar pelo processo cirúrgico nas duas vezes em que compareceu no hospital. E ela acabou desistindo de tentar novamente. 
  Há pouco tempo ficou cega dos dois olhos, mas guerreira que é continua a luta pela sobrevivência. O mais interessante nessa história é que Dona Laíde nunca, ou pouco, reclamou da vida, pelo contrário agradece pelo esposo, filhos, netos e bisnetos que tem. Essa mulher é um grande exemplo para todos nós!

                                                                                                                   
                                                                                                Adriano Martins

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